sexta-feira, 1 de junho de 2007

Súmula Vinculante - 2 - Inconstitucionalidade?

Voltando ao assunto da súmula vinculante, venho agora trazer para o debate, uma observação particular a respeito da Lei que disciplina a edição de súmula vinculante.

Na postagem anterior, explicitei em linhas gerais o que era a Súmula Vinculante.

Analisando com mais apego a Lei 11.417/06, algumas pulgas me saltaram para trás das orelhas.

Nosso art. 5º, conhecido como detentor dos direitos e garantias alicerçadores do Estado Democrático de Direito, disserta no inciso XXXV, que lei não poderá excluir o Poder Judiciário de apreciar lesão ou ameaça a direito. Pois bem, como se sabe, trata-se de um direito fundamental, mas que obviamente, pela inexistência de direito absoluto, pode ser relativizado. Isso significa dizer igualmente que não é necessário inicialmente ingressar com uma demanda administrativa, percorrer todos os seus caminhos, esgota-la, para somente após, com o exaurimento da via, buscar o amparo do Poder Judiciário.

Essa é a regra, mas se houver exceção, a própria constituição irá nos informar, como é o caso da justiça desportiva. Nesta hipótese, o art. 217, §1º, disciplina que o Poder Judiciário somente poderá se acionado após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva.

Ditada a regra e especificada a exceção, vamos examinar a Lei em comento.

O art. 103-A da Constituição, que versa a respeito da edição de súmula vinculante, diz apenas que o STF poderá edita-la após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, e que, cabe reclamação ao mesmo tribunal, do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar.

Esta simples redação e leitura do dispositivo, não permite, não aduz ao legislador infraconstitucional, a possibilidade de reduzir a eficácia da norma constitucional. Portanto, trata-se de uma norma, a meu ver, de eficácia plena. Assim, se um ato administrativo contrariar, ou aplicar indevidamente a súmula vinculante, caberá imediatamente reclamação ao STF. Percebam que o §3º do citado artigo não condiciona a utilização da Reclamação a qualquer procedimento prévio, bastando, apenas, a materialização da hipótese supra citada.

Por sua vez, a lei da súmula vinculante, em seu artigo 7º, §1º, traz que “Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.”

Pois bem, se a própria Constituição estabelece que o Poder Judiciário não poderá ser excluído de lesão ou ameaça a direito, bem como o art. 103-A não obriga o exaurimento das vias administrativas para socorrer-se de Reclamação junto ao STF, como pode, o legislador infraconstitucional estabelecer requisito não trazido pela Carta Maior?

O legislador infraconstitucional possui o condão de regulamentar os dispositivos da Constituição, isso é cediço. Essa regulamentação sempre deverá se materializar através das espécies normativas previstas no art. 59. Ao confeccionar tais normas, há de se observar os diversos limites impostos pela Constituição, como limites materiais, formais, procedimentais, subjetivos, dentre outros. Esses limites são verdadeiras forças paralisantes direcionadas ao legislador, que deverá observar fielmente ao que diz a Constituição, quando da elaboração das leis inferiores. Essa “força paralisante” impede o parlamentar de ir além das balizas impostas pelo texto constitucional.

Ora, se a Constituição não prevê o esgotamento das vias administrativas para se buscar o amparo judicial no caso sub oculi, qual poder legitima os representantes do povo e dos Estados e inserirem preceito não contemplado constitucionalmente?

A respeito desse tema, o STJ (Superior Tribunal de Justiça), relativizou a utilização do Habeas Data (art. 5º, LXIX). Igualmente a Constituição não exige o esgotamento das vias administrativas para se utilizar desse remédio.

Todavia, já foi sumulado pelo mesmo tribunal (não se trata de súmula vinculante, primeiro porque somente o STF pode editá-la, segundo, porque a súmula data de 08.05.1990, portanto, anterior à EC/45), que “Não cabe o Habeas Data (CF, art. 5., LXXII, letra "a") se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”

As informações relativas aos impetrantes em sede de Habeas Data, eram reiteradamente negadas administrativamente pelo SNI, fundamentadas no interesse da segurança nacional e do Estado, após utilização de outro direito constitucional, o direito de petição (art. 5º, XXXIII, e XXXIV, “a”). No caso vertente, a não aplicação ou aplicação errônea da Súmula Vinculante, pode desaguar evidentemente em processo administrativo, e percorrer todas as instâncias legalmente previstas. Mas, como dito pelo Min. Ilmar Galvão no HD 004-DF, “A falta, entretanto, de um pronunciamento direto da autoridade não impede o pronunciamento judicial, porque, como é de curial sabença, a ilegalidade pode estar tanto em ato comissivo quanto em ato omissivo.”

Percebe-se, pois, que a Lei está a exigir comportamento não previsto na Constituição, e como se sabe muitas vezes, nos próprios dizeres do Ministro, trata-se apenas de procedimento postergatório, posto que “ao dirigir-se, previamente, ao órgão governamental, mesmo sabedor de que sua viagem será infrutífera.”

Será que o legislador, já conhecendo da Súmula do STJ, quis utilizá-la subsidiariamente para disciplinar a Lei da Súmula Vinculante?

Tenho sérias dúvidas a respeito da plausibilidade desse argumento, mesmo porque, como toda súmula, e com isso igualmente a de número 2 do STJ, só foi editada em virtude de inúmeras decisões no mesmo sentido, ou seja, provocação ao poder judiciário.

A lei, por si só, já impede a Reclamação, privando o cidadão, o jurisdicionado, do acesso à justiça. Isso vai de encontro, inclusive, ao que preceitua o art. 5º, LXXVIII, verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Portanto, a meu ver, a Lei n. 11.417/06 fere a Constituição por regular dispositivo que não traz a possibilidade de reduzir o alcance da norma constitucional, qual seja, o livre acesso à tutela jurisdicional, independente do esgotamento da via administrativa.

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